É POSSÍVEL SER ESQUECIDO JURIDICAMENTE?
De início, quero expressar minha grande alegria em participar deste promissor projeto, sim, o DIÁRIO DO JURISTA! É uma honra, um privilégio poder contribuir. E, desde já, firmo o compromisso de trazer sempre a este espaço uma opinião sincera e informal de um (nem tão) jovem bacharelando em Direito, casado, pai de um garotão de 02 anos, às vésperas de prestar o Exame da Ordem. Que venham os desafios!
Final de faculdade é aquela correria. Para um estudante de Direito então, multiplique-se a tal correria por 10. O Exame da Ordem assusta. Desde o primeiro período os nossos (quase sempre) amados mestres nos aconselham: "Prepara-te, segue em frente, confie... e superarás a Ordem". Só 20% de aprovação? Parece concurso público! Antes fosse. Mas enfim, não é este o meu foco neste post. Talvez num próximo.
Outro desfio é o TCC. Sem ele, não tem formatura, nem carteirinha ("vermelhinhaaa!"). Um amante do Direito Constitucional como eu não deveria ter dificuldade na escolha do tema, já que segundo o doutrinador Kiyoshi Harada, "a Constituição (...) representa o tronco da Árvore Jurídica donde se originam todos os ramos jurídicos". Não, eu não me inclinei pro Direito Ambiental. Tinha que focar: Constitucional, Constitucional... O que escolher?
Foi pesquisando que me deparei com um tema muito curioso, chamado "Direito ao Esquecimento". Achei a nomenclatura, de cara, peculiar. Decidi me aventurar, e um mundo de atualidades caiu no meu colo! Sabe aquela foto do estuprador de criancinhas que você compartilhou semana passada? E aquele famoso vídeo da Xuxa que (se procurar bem) ainda circula por aí? Pois é. Mesmo sutilmente distintos, eles se assemelham neste tema.
O Direito ao Esquecimento (em inglês, The right to be left alone) é aquele que juridicamente te protege quando você, por exemplo, é acusado publicamente de algo que não fez... ou que até fez, mas se arrependeu. Quem nunca, né? O tema é quase pré-histórico, mas voltou à tona depois da popularização da internet e redes sociais. Já parou pra pensar que aquele cara acusado de estupro (sim, o que você compartilhou) pode ter sido confundido? Mas a foto dele, com uma eloquente mensagem de ódio embaixo, já tá circulando na rede mundial. E agora, pra tirar de lá?
Diz o jargão: "Uma vez online, pra sempre online". Esse cara vai ser perseguido, encontrado, espancado, amarrado num poste, pode não morrer por sorte. Sim, sem talvez ser o agente real do delito! Isto fere profundamente o princípio da dignidade da pessoa humana, constitucionalmente garantido a todos nós. Quando seu filho tiver em sua rede social daqui há uns anos, vai ver o post. Quando o acusado for procurar um emprego, será lembrado. Se for contratado, posteriormente será criminalizado. Nem preciso lembrar o que acontecerá com o tal estuprador quando chegar na cadeia, né?
Essa é apenas uma das várias vertentes do tema. A necessidade de discutilo tem crescido no mundo todo. Um dos primeiros casos que se tem registros foi na Alemanha nos anos 1920. Os EUA também já enfrentou o Direito ao Esquecimento em seus tribunais. Em terras tupiniquins não foi diferente. O tema chegou depois (como quase tudo aqui!), porém ainda intenso. Esbarrou-se em Direito à informação, Liberdade de Imprensa e etc., como se vê adiante.
Aqui, o Direito ao Esquecimento tem duas grandes decisões que norteiam o entendimento dos Magistrados: os casos "Chacina da Candelária" (REsp 1.334.097) e "Aida Cury" (REsp 1.335.153), ambos relatados pelo Ministro Luis Felipe Salomão.
O primeiro diz respeito ao bárbaro caso do homicídio de menores por PMs, ocorrido em 1993 no Rio de Janeiro. Em suma: a Rede Globo exibiu, por meio do programa "Linha Direta - Justiça", a reconstituição do crime, com citação de nomes e amostras das imagens dos (ainda) acusados. Tudo bem, um programa policial estaria incompleto sem tais dados. No entanto, foi ignorado o fato de que um destes acusados já ter sido absolvido por NÃO TER, de fato, qualquer participação na Chacina. Isto gerou a ação deste, com pleito indenizatório, justamente pela veiculação, contra a vontade do autor, do seu nome e imagem.
No segundo caso, algo muito semelhante... mas com entendimento diferente. A Globo (sempre ela!), também por meio do "Linha Direta - Justiça", exibiu a história do caso "Aida Cury", adolescente brutalmente violentada, morta e jogada do alto de um prédio em Copacabana, no ano de 1958. Os irmãos da vítima, ao serem surpreendidos pela exibição do programa, acionaram a TV Globo, fundamentando o direito que a família tinha (tem e terá) de ver o caso como "esquecido" pela sociedade! Pois não bastava o fato da vítima ser ainda muito jovem à época do crime. A mída, já naquela época, havia sido "impiedosa com os Cury, perseguindo-os quase como paparazzis".
Por derradeiro, o STJ decidiu que caberia indenização no caso "Chacina da Candelária", mas não no "Aida Cury", visto "ter o fato ocorrido há quase 60 anos e ter sido de grande repercussão à época, e por não se poder mais desvincular o fato do nome da vítima". Houveram recursos ao STF em ambos os casos. Até debates foram feitos em público pelo próprio Supremo, mas o consenso ainda não foi alcançado.
Afinal de contas, você tem direito de ser esquecido por um fato público de grande, ou mesmo de menor repercussão? Teria este um prazo prescricional?
É válido o aprofundamento no assunto. Ele é atual, intrigante e pode acontecer com qualquer um. Na era digital, onde a informação se espalha (quase) sem limites, é possível defender direitos pessoais de natureza íntima? Fica a pergunta pra ponderar. E espero ter escolhido um bom tema, e que minha banca avaliadora seja branda comigo.
Ah! E antes que caia no esquecimento: obrigado por ter lido até aqui.
Por: Filipe Rodrigues
Final de faculdade é aquela correria. Para um estudante de Direito então, multiplique-se a tal correria por 10. O Exame da Ordem assusta. Desde o primeiro período os nossos (quase sempre) amados mestres nos aconselham: "Prepara-te, segue em frente, confie... e superarás a Ordem". Só 20% de aprovação? Parece concurso público! Antes fosse. Mas enfim, não é este o meu foco neste post. Talvez num próximo.
Outro desfio é o TCC. Sem ele, não tem formatura, nem carteirinha ("vermelhinhaaa!"). Um amante do Direito Constitucional como eu não deveria ter dificuldade na escolha do tema, já que segundo o doutrinador Kiyoshi Harada, "a Constituição (...) representa o tronco da Árvore Jurídica donde se originam todos os ramos jurídicos". Não, eu não me inclinei pro Direito Ambiental. Tinha que focar: Constitucional, Constitucional... O que escolher?
Foi pesquisando que me deparei com um tema muito curioso, chamado "Direito ao Esquecimento". Achei a nomenclatura, de cara, peculiar. Decidi me aventurar, e um mundo de atualidades caiu no meu colo! Sabe aquela foto do estuprador de criancinhas que você compartilhou semana passada? E aquele famoso vídeo da Xuxa que (se procurar bem) ainda circula por aí? Pois é. Mesmo sutilmente distintos, eles se assemelham neste tema.
O Direito ao Esquecimento (em inglês, The right to be left alone) é aquele que juridicamente te protege quando você, por exemplo, é acusado publicamente de algo que não fez... ou que até fez, mas se arrependeu. Quem nunca, né? O tema é quase pré-histórico, mas voltou à tona depois da popularização da internet e redes sociais. Já parou pra pensar que aquele cara acusado de estupro (sim, o que você compartilhou) pode ter sido confundido? Mas a foto dele, com uma eloquente mensagem de ódio embaixo, já tá circulando na rede mundial. E agora, pra tirar de lá?
Diz o jargão: "Uma vez online, pra sempre online". Esse cara vai ser perseguido, encontrado, espancado, amarrado num poste, pode não morrer por sorte. Sim, sem talvez ser o agente real do delito! Isto fere profundamente o princípio da dignidade da pessoa humana, constitucionalmente garantido a todos nós. Quando seu filho tiver em sua rede social daqui há uns anos, vai ver o post. Quando o acusado for procurar um emprego, será lembrado. Se for contratado, posteriormente será criminalizado. Nem preciso lembrar o que acontecerá com o tal estuprador quando chegar na cadeia, né?
Essa é apenas uma das várias vertentes do tema. A necessidade de discutilo tem crescido no mundo todo. Um dos primeiros casos que se tem registros foi na Alemanha nos anos 1920. Os EUA também já enfrentou o Direito ao Esquecimento em seus tribunais. Em terras tupiniquins não foi diferente. O tema chegou depois (como quase tudo aqui!), porém ainda intenso. Esbarrou-se em Direito à informação, Liberdade de Imprensa e etc., como se vê adiante.
Aqui, o Direito ao Esquecimento tem duas grandes decisões que norteiam o entendimento dos Magistrados: os casos "Chacina da Candelária" (REsp 1.334.097) e "Aida Cury" (REsp 1.335.153), ambos relatados pelo Ministro Luis Felipe Salomão.
O primeiro diz respeito ao bárbaro caso do homicídio de menores por PMs, ocorrido em 1993 no Rio de Janeiro. Em suma: a Rede Globo exibiu, por meio do programa "Linha Direta - Justiça", a reconstituição do crime, com citação de nomes e amostras das imagens dos (ainda) acusados. Tudo bem, um programa policial estaria incompleto sem tais dados. No entanto, foi ignorado o fato de que um destes acusados já ter sido absolvido por NÃO TER, de fato, qualquer participação na Chacina. Isto gerou a ação deste, com pleito indenizatório, justamente pela veiculação, contra a vontade do autor, do seu nome e imagem.
No segundo caso, algo muito semelhante... mas com entendimento diferente. A Globo (sempre ela!), também por meio do "Linha Direta - Justiça", exibiu a história do caso "Aida Cury", adolescente brutalmente violentada, morta e jogada do alto de um prédio em Copacabana, no ano de 1958. Os irmãos da vítima, ao serem surpreendidos pela exibição do programa, acionaram a TV Globo, fundamentando o direito que a família tinha (tem e terá) de ver o caso como "esquecido" pela sociedade! Pois não bastava o fato da vítima ser ainda muito jovem à época do crime. A mída, já naquela época, havia sido "impiedosa com os Cury, perseguindo-os quase como paparazzis".
Por derradeiro, o STJ decidiu que caberia indenização no caso "Chacina da Candelária", mas não no "Aida Cury", visto "ter o fato ocorrido há quase 60 anos e ter sido de grande repercussão à época, e por não se poder mais desvincular o fato do nome da vítima". Houveram recursos ao STF em ambos os casos. Até debates foram feitos em público pelo próprio Supremo, mas o consenso ainda não foi alcançado.
Afinal de contas, você tem direito de ser esquecido por um fato público de grande, ou mesmo de menor repercussão? Teria este um prazo prescricional?
É válido o aprofundamento no assunto. Ele é atual, intrigante e pode acontecer com qualquer um. Na era digital, onde a informação se espalha (quase) sem limites, é possível defender direitos pessoais de natureza íntima? Fica a pergunta pra ponderar. E espero ter escolhido um bom tema, e que minha banca avaliadora seja branda comigo.
Ah! E antes que caia no esquecimento: obrigado por ter lido até aqui.
Por: Filipe Rodrigues
Excelente texto, muito bem escolhido o tema.
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